Os Correios voltaram ao noticiário nos últimos meses, mas não foi por bons motivos. A estatal que já foi símbolo de eficiência e presença nacional acumula prejuízos bilionários, discute alternativas para se capitalizar e, agora, estuda transformar parte de seu portfólio em um Fundo Imobiliário (FII).
A ideia até parece boa no papel: destravar o valor dos seus imóveis, gerar liquidez e aliviar o caixa. Mas, na prática, o problema da companhia, também conhecida pela sigla ECT (Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos), vai muito além da falta de dinheiro.
Depois de alguns anos de resultados positivos, houve uma virada abrupta. Em 2024, a estatal registrou prejuízo de R$ 2,6 bilhões, quase quatro vezes maior que no ano anterior. E 2025 começou ainda pior, com o déficit do primeiro semestre já superando R$ 4 bilhões. 

Os motivos não são exatamente novos. O avanço do e-commerce pressionou a rede logística e trouxe novos concorrentes, com modelos mais eficientes, leves e tecnológicos. A “taxa das blusinhas”, por sua vez, acabou por reduzir ainda o volume de entregas internacionais, um dos poucos segmentos que ainda crescia.
Enquanto isso, do lado das despesas, o cenário permanece o mesmo, com folha de pagamento pesada, contratos onerosos, passivos trabalhistas e pouca flexibilidade para cortar custos.
Há anos, a promessa é a de modernizar processos, digitalizar serviços, ganhar eficiência. Mas, na prática, pouco mudou. Os programas de desligamento voluntário, renegociação de contratos e racionalização de rotas são remendos em uma estrutura que envelheceu mal.
Os Correios ainda operam com sistemas lentos, frota defasada e uma cultura organizacional que pouco lembra a agilidade das empresas privadas de logística. Enquanto isso, players como Mercado Livre e Amazon, por exemplo, investem em tecnologia, rastreamento e integração em tempo real com o cliente final.
Na prática, a estatal segue perdendo relevância exatamente no mesmo setor que sempre dominou.
“Mas, os Correios são estratégicos…”, pode-se até dizer.
Aliás, esse tipo de argumento sempre reaparece quando se fala em crise. É claro que a empresa – que tem presença em todos os municípios do país – cumpre funções públicas relevantes, como na distribuição de livros didáticos e correspondências oficiais.
Mas estratégico não é sinônimo de eficiente.
Telefonia já foi estratégica.
Saneamento básico, também.
Aeroportos, outro exemplo.
Mas todos foram abertos, de alguma forma, ao capital privado por necessidade de investimento e modernização.
A verdade é que a função pública não garante sustentabilidade financeira. E, quanto mais a ECT adia decisões estruturais, mais difícil fica inverter a curva de deterioração.
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Transformar tijolo em liquidez
Diante do cenário de caixa apertado, uma alternativa vem ganhando força: usar o patrimônio imobiliário dos Correios para levantar recursos. Seria algo nos moldes de um FII, um fundo dono dos imóveis que alugaria os espaços de volta à própria estatal, garantindo renda aos cotistas e capital à empresa.
No mercado imobiliário, chamamos essa operação de sale and leaseback.
É uma ideia que faz sentido no curto prazo. A ECT tem centenas de imóveis em localizações valiosas – os Correios estimam que possuam mais de R$ 4 bilhões em valor contábil. Com a estrutura certa, parte desse portfólio poderia ser monetizada, reduzindo a necessidade de endividamento.
Mas é aí que mora o risco… Um fundo imobiliário pode até gerar caixa imediato, mas não conserta o operacional. Seria como vender o sofá para pagar a conta de luz.
Ainda mais sem uma virada de gestão: assim, a própria ECT se tornaria o principal risco de crédito desse FII. Não me espantaria se, nos moldes de hoje, em um fundo listado em Bolsa, os investidores passassem a exigir um retorno acima da média do mercado para compensar o risco do inquilino.
De certa forma, os Correios já são locatários de galpões pertencentes a fundos imobiliários – mas dentro de carteiras diversificadas, em que a dependência de um único inquilino é limitada.
O caso mais emblemático ocorreu em 2024. O fundo logístico TRBL11 teve um contrato rescindido pelos Correios e ficou sem receber mais de R$ 2,7 milhões em aluguéis e multas rescisórias. O imóvel, em Contagem (MG), chegou a ser interditado pela Defesa Civil, e o fundo arcou com custos de manutenção enquanto ainda disputa judicialmente a rescisão.
No caso das agências, boa parte do portfólio foi construída décadas atrás, em um cenário diferente. Hoje, o elevado valor imobiliário está no acesso a rodovias, lojas e armazéns modernos e proximidade de hubs de distribuição.
Reformas caras, limitações legais de uso e baixa liquidez tornam esses ativos menos atrativos do que parecem nos balanços, especialmente em um momento de juros altos, como o atual.
A criação de um FII com imóveis dos Correios pode até aliviar o caixa no curto prazo, mas não substitui o dever de reformar a operação, reduzir custos e modernizar processos, até para que o risco percebido pelo mercado seja mais baixo.
Do contrário, é apenas empurrar o problema para depois.
Fazer um fundo com imóveis pode parecer um movimento de “liberação de valor”, mas, sem uma empresa sólida por trás, ele se torna apenas uma transferência de risco.







